terça-feira, 25 de agosto de 2009

Declaração

Herbert Vianna me emociona com suas composições e neste recadinho não podia ser diferente, pois resumiu Terapia Ocupacional em linhas.

" Captar as vibrações, buscar caminhos, reconhecer emoções, tudo isso ajuda em cada pequeno passo!
Tudo de bom!!!"

Se eu fosse a T.O que recebeu isso, com certeza me encheria de satisfação e orguho pelo trabalho realizado. Contudo, espero encontrar vários Herberts na vida, para contribuir também com cada pequeno passo.
Janaina Ferreira

TERAPIA OCUPACIONAL E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL: uma relação possível?

Jô Benneton

A terapia ocupacional nasceu sob o signo da reabilitação. Ao longo de sua história, junto com a fisioterapia, o serviço social, a fonoaudiologia e a enfermagem, a terapia ocupacional integra o núcleo de sustentação dos centros de reabilitação.
Como compreendo sua especialidade, ela tem sua ação voltada para o treinamento e para o desenvolvimento de habilidades, na construção de um cotidiano para indivíduos da sociedade. As diferentes teorias de base, os métodos e as técnicas empregadas por terapeutas ocupacionais, com finalidades clínicas, não têm alterado esse caráter vocacional da profissão.
Na literatura específica, esse caráter vocacional é pragmaticamente ordenado como treinamento de habilidades, desenvolvimento educacional, orientação habitacional e sócio-recreativa, objetivando assim as ações da terapia ocupacional e a atuação das terapeutas ocupacionais.
Em 1985 a Associação Internacional de Reabilitação Psicossocial (IAPSRS) definiu como objetivos pragmáticos para suas agências de saúde, essas mesmas funções, com a sutil diferença de colocar em primeiro plano o desenvolvimento sócio-recreativo. Essa alteração, aparentemente pouco significativa, traz em seu bojo uma importante mudança de setting.
Priorizar o social em reabilitação psicossocial implica em sair de centros de reabilitação, de hospitais e de oficinas abrigadas para criar espaços de intervenção na própria comunidade. KLEINMAN, nos Estados Unidos, considera que terapeutas ocupacionais já familiarizados com o modelo de reabilitação proposto pela IAPSRS e dirigindo-se à adaptação funcional dentro da comunidade, terminaram criando uma promissora alternativa de atuação. Para que possamos compartilhar do entusiasmo de KLEINMAN, é preciso analisar as propostas técnico-administrativas da reabilitação psicossocial na sua relação com a terapia ocupacional.
De acordo com a Associação Americana de Terapia Ocupacional, entre 1986-1990 houve a redução de 16% para 11,8% de terapeutas ocupacionais trabalhando em psiquiatria. Há uma tendência muito grande em se analisar esse dado como sendo resultado da pouca investigação profissional de modelos alternativos ao hospitalocêntrico, que parece ter esgotado sua capacidade de produção de conhecimento e de objetivação de saúde.
Precisamos saber, então, o que realmente aconteceu com a busca destes modelos alternativos. Em relação à reabilitação psicossocial, por exemplo, (NEWMAN, 1991, apud KLEINMAN, 1992) constatou através de uma pesquisa realizada nas agências de reabilitação psicossocial nos EUA, que 11% das 212 agências registradas empregaram no mínimo um terapeuta ocupacional, enquanto 71% empregaram no mínimo um assistente social. Num total de 3.9522 trabalhadores de agências, apenas 24, isto é, 0,6%, eram terapeutas ocupacionais, sendo que os assistentes sociais ultrapassaram 21%. A maioria dos trabalhadores em reabilitação psicossocial aproximadamente 48%, são, como os americanos chamam, “para-profissionais”. Para nós, aqui no Brasil, o mais comum é chamá-los de “pessoal auxiliar”.
São, portanto, não profissionais. Dos 1885 “não profissionais” pesquisados, 59% não tinham grau universitário, 40% tinham grau de bacharelado e 1% ainda estava na Universidade.
Mantendo ainda fontes de informações próximas à literatura de terapia ocupacional e reabilitação psicossocial, volto um pouco no tempo em busca de explicação para alguns dados. Segundo FARKAS, apud RENWICK et al. para o trabalhador em reabilitação psicossocial foi criado um dispositivo que preconizava o treinamento dentro do próprio serviço. Formaram-se, assim, os especialistas em reabilitação psicossocial.
KLEINMAN pareceu-me um tanto desalentado quando, em busca de desvendar alguns mistérios, concluiu que, teoricamente, terapeutas ocupacionais em reabilitação psicossocial têm seu treino baseado numa abordagem holística. As técnicas aprendidas, entretanto, parecem ser um segredo muito bem guardado. Assim mesmo, ela concluiu seu artigo alertando os terapeutas ocupacionais de que, embora o número desses profissionais na área de saúde mental esteja diminuindo, o número de pessoas que precisam dos seus serviços não está. O que fazer, então? Penso que, em primeiro lugar, está a tarefa de encontrar um espaço mais confortável.
Analisando esses e outros estudos de colegas estrangeiros, é possível concluir que há uma séria questão de poder por trás da relação com a reabilitação psicossocial. CHAMBERLIN, num artigo crítico-reflexivo no Bulletin World Association of Psychossocial Rehabilitation, diz que apenas pessoas inconformadas falam sobre o poder. Creio que não: os precavidos e os esperançosos também.
Hoje nos visita a reabilitação psicossocial. A porta é aberta por este encontro, mas também queremos partilhar a hospedagem. Pouco conhecemos de nossos hóspedes e tomamos, então, suas próprias palavras para apresenta-los.
SARRACENO nos conta que a reabilitação psicossocial prevê um processo de restituição, construção e reconstrução de direitos políticos legais e sociais para cada cidadão. Ele é enfático quando propõe um projeto de reabilitação através de respostas positivas de profissionais e da sociedade capazes de promover as emoções e o conhecimento do doente mental. Creio que aqui podemos encontrar pelo menos uma primeira resposta à questão do poder que se encontra presente nos trabalhos dos colegas americanos e canadenses. A terapia ocupacional tinha um projeto técnico para a reabilitação. Não só ela, mas também aqueles profissionais não médicos que a sustentavam. Por algum tempo os médicos se afastaram da reabilitação, mas agora começaram a retornar. Para KLEINMAM, esse retorno a partir de 1986 é caracterizado como uma remedicalização. Como compreendo, principalmente através do que tento apreender da reabilitação psicossocial, a proposta é de uma ampliação do que era um projeto técnico para incluir o chamado sócio-político. Com isso imagino que a apropriação médica traz também, em conseqüência, uma melhor estrutura na intervenção medicamentosa. O que poderia ser tomado, então, como causa para a aproximação médica à reabilitação, pode bem ser uma boa conseqüência. Creio que a presença do médico, detentor de maior poder também sobre os projetos de reabilitação, dá a este maior chances de sucesso. Temos o dever de receber com esperança qualquer projeto dessa ordem e torcer para que se transforme em realidade.
O contrário das colegas do norte, as brasileiras têm sido bastante ativas e arrojadas no processo de desospitalização, da mesma forma como estão empenhadas em investir em programas na comunidade. Das três teses de doutorado de terapeutas ocupacionais defendidas em saúde mental no país, duas delas, de MEDEIROS e de LANCMAN, tratam dessas questões e de suas conseqüências. MÂNGIA et al., questionando a transformação do Hospital Juqueri, afirmam que:

“... a instituição não suporta a possibilidade da reinserção social real da população nela internada. Isso significa sua própria negação, a perda do seu papel. Ela impõe a todos, internos e funcionários, a reclusão e o confinamento nos pátios, mantendo-os longe das ruas e da vida das cidades, excluídos até a morte”.

Há um tipo de exclusão na terapia ocupacional que os próprios terapeutas ocupacionais colocam à mostra. NASCIMENTO diz o seguinte:

“A intervenção técnica centrada na atividade laborial (a marcenaria, a pintura, etc.) ou na relação terapêutica, opera uma divisão entre o técnico e o político que só beneficia a própria técnica porque a exime de assumir outras responsabilidades. E tranqüiliza artificialmente a nossa consciência”.

Sobre essa exclusão, FRANCISCO traz à tona a ética, na dramaticidade do sujeito-paciente no contexto da saúde, como objeto de fácil manipulação. OLIVER nos leva aos filantrópicos centros de reabilitação brasileiros e nos mostra terapeutas ocupacionais paternalisticamente “fabricando indivíduos”, como puro exercício de reabilitação. Como nesses centros não está prevista a inserção social de sua população, ela passa a vida girando em torno de exercícios de reabilitação.
BARROS, crítica dos projetos americanos e profunda estudiosa da política-social basagliana, ultrapassa esse conhecimento para nos chamar a reconhecer a existência de uma terapia ocupacional brasileira.
Esta, com seu diálogo com a psicologia, é diferente da americana, puramente funcionalista, e imposta aqui ao nascer da profissão. Ela ainda prediz:

“Acredito que a terapia ocupacional no ano 2000 deverá voltar-se para a construção permanente de um saber solidário diante da dor humana, e deverá voltar-se para a necessidade de uma produção teórica que seja capaz de captar a realidade e o movimento social”.

FURTADO propõe como forma de chegar lá, isto é, ao futuro, uma reflexão sobre o que é o fenômeno em si, em terapia ocupacional, e o que é seu objeto.
As colegas que acabo de apresentar já estão incorporadas do espírito dualístico da reabilitação psicossocial, ou seja, da especificidade profissional aliada à política social, como sempre tem enfatizado BERLOTE. Quanto a mim, usufruindo de todos esses conhecimentos e informações levantadas pelas colegas terapeutas ocupacionais, posso dar-me ao luxo de particularizar.
Para começar, tomo emprestada a inquietação do querer-saber-futuro do antropólogo, etnólogo, educador, ficcionista, poeta e socialista, RIBEIRO:

"Só resta uma saída: é brigar para construir no futuro uma sociedade de tecnologia muito avançada, mas com o gosto de viver a cordialidade, o respeito recíproco e a liberdade que os índios tinham”.

Juntando esta que pode muito bem ser uma receita com as inquietações de BARROS e de FURTADO, ando as voltas com o avanço técnico da terapia ocupacional. Por um lado, quase como mecanismo de reação, tenho procurado a especificidade da terapia ocupacional, em contra-posição ao puro e simples movimento de adaptação a projetos de Saúde. Por outro lado, a especificidade é que vai qualificá-la de social e, portanto, passível de transmissão. Creio que em todos os lugares onde a terapia ocupacional é respeitada, ela poderá, em cordial interdisciplinaridade, cumprir propósitos da reabilitação psicossocial.
A questão que particularizo não tem a ver, então, com os propósitos da reabilitação psicossocial, uma vez que os compreendo amplos e abertos para "negociações" político-sociais. Como a terapia ocupacional, para mim, tem como propósito final à inclusão social do excluído, é preciso começar a avaliar, no social, sua real eficácia. Esta é a grande questão atual. Se por um lado penso que é preciso aferir a inclusão, por outro temos de admitir que uma questão ética ganha o primeiro plano. A aferição se fará pelo novo ou pelo readquirido?
Se meu olhar se volta à crença na reabilitação, pelo re fico testando o novo na sua relação com o velho. Mas será que alguém que teve um dedo quebrado e que depois da reabilitação ficou completamente curado. Será que ele é a mesma pessoa? Parece que não. Ele teve a experiência de não poder usar um dedo e depois pôde usá-lo novamente. Isto, queiramos ou não, acarreta mudanças. Mesmo que o problema tenha sido de pequeno porte, a pessoa testou e foi testada até que o dedo ficasse bom. A mudança é apenas de reaquisição?
Vejamos, agora: quando um esquizofrênico fica bom? Quando ele volta ao que era antes? Sabemos que ele não volta e com isso corremos dois grandes riscos: o primeiro é mantê-lo para sempre em testes; o segundo é conseqüência do primeiro, ou seja, é nunca poder considerá-lo reabilitado.
A busca de aferição da ética na minha profissão levaram-me a um afastamento quase que definitivo de todo conceito que implique em "recobramento" no sentido da restituição do estado anterior. Desta forma, não há comparações. Apenas o vivido e o experimentado tornam-se subsídios para o futuro. Com isso, exponho francamente minhas preocupações com essa outra dualidade aparente da reabilitação psicossocial.
Todo um novo e arrojado projeto que alia a saúde e a comunidade sociopoliticamente pode ficar definitivamente atrelado a um termo comprometido como é "reabilitação"? Ou melhor, de que forma é a proposta da própria reabilitação psicossocial para revitalizar o termo "reabilitação" de maneira a separá-lo da memória social circulante e circunscrita por aspectos legais, jurídicos e militares, isto é, de estados de exceção?
Um estado de exceção é, sem dúvida, o fato de se estar doente. Não consigo ver a reabilitação psicossocial com propósitos circunscritos a esse estado. Creio, inclusive, que internações projetadas através de estratégias de reabilitação psicossocial, para estágios iniciais da doença, estabelecem a possibilidade de melhor prognóstico do que os promovidos pela simples medicalização. Dessa forma teremos menos ainda que nos preocupar com reabilitação.
Em síntese, o termo "reabilitação" precisa ser desvinculado de estados de exceção e precisa, ao mesmo tempo, ter e manter compromissos de fato com o desenvolvimento de vida, qualquer vida, no sentido da trama do cotidiano, que implica na aceitação de tudo o que é habitual. Talvez por não imaginar beneficies e por não admitir mais "reabilitação" como algo ligado à prática da desconstrução, seja ela qual for, ouso sugerir o abandono e a substituição do termo da World Association of Psychossocial Rehabilitation.

BENETTON, M. J. Terapia ocupacional e reabilitação psicossocial: uma relação possível? Rev. Ter. Ocup. Iniv. São Paulo, v. 4/7, p. 53-58, 1993/6.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Terapia Ocupacional: uma Apresentação

Jô Benetton

A gênese da terapia ocupacional está na cultura. Aos que a ela são apresentados, exige-se sólida base cultural. É importante compreender que, mesmo antes de se tornar profissão, já era assim.

A humanidade sabe que é verdade que "quem canta seus males espanta" e que "quem trabalha não tem tempo para caraminholas", ou seja, são formas que expressam o caráter preventivo em higiene mental. Na tradição cultural, fazer algo é tomar uma atitude e tentar se antecipar ao problema. É o conhecido "cuidar do espírito", tão em voga entre gregos, troianos e romanos.

Hoje, na abrangência da cultura teleguiada, a terapia ocupacional é slogan de marketing: "Faça você mesmo sua terapia ocupacional com a lã Ursa Maior" ou "Com este maravilhoso aparelho, suas tardes de terapia ocupacional passarão mais e mais depressa." Hobbies, manias, jogos de vareta, panos, tintas, botões. Vale tudo. Esse tipo de publicidade tem muitos sentidos: seu tempo ocioso não pode ficar tedioso, então faça uma atividade qualquer; para que seu trabalho não ocupe todo o seu tempo, facilite-o com algo lúdico, atraente. É sabido que, ao longo do tempo, o fazer atividades tem contribuído (e muito!) para afastar os maus espíritos, os tormentos da alma, os sentimentos indesejados e as doenças.

As brincadeiras, os jogos, os passeios, tudo isso facilita a aproximação com os deuses, impregna a alma com o belo, organiza o cotidiano e provoca sentimentos de alegria e de felicidade. A propósito, o primeiro slogan da terapia ocupacional data de 131-200 d.C. e diz: "A ocupação é o grande médico da natureza." O nome do publicitário: Cláudio Galeno e Pérgamo.

A idéia de transformar trabalho, ocupação e atividades como instrumento profissional-terapêutico nasceu e se desenvolveu nos Estados Unidos. Grupos de profissionais criaram o Comitê de Higiene Mental no início do século movidos, décadas depois pôde-se comprovar, pelo caráter racionalista-iluminista-humanista dos grupos de Pinel. Marcada por esse caráter, em 1917 Eleanor Clark Slagle começou a treinar moças de família, maternais e habilidosas, como "auxiliares de reconstrução" para salvar doentes mentais e traumatizados de guerra. Os médicos eram os instrutores dessas moças e, portanto, orientadores do modelo de prática clínica.

No Brasil, quase que simultaneamente, médicos assistiam ou orientavam a chamada laborterapia (a exemplo do alemão erman Simon). Tivemos o privilégio de ter novos campos abertos por nomes como Ulisses Pernambucano (PE), Franco da Rocha (SP), Henrique de Oliveira Mattos (SP, primeira tese de doutorado da Faculdade de Medicina da USP sobre laborterapia), Jorge Gonçalves (SP, também com tese de doutorado sobre o tema, na USP), Nise da Silveira (RJ) e, especialmente, o entusiasta, médico e quase terapeuta ocupacional, Luis da Rocha Cerqueira.

Até 1950, nos Estados Unidos, Europa e Brasil, foram parcialmente os médicos que desenvolveram os estudos e as investigações empíricas que contribuem até hoje para o estabelecimento de teorias da técnica para terapia ocupacional. No Brasil, a partir de 1959, a Dra. Maria Auxiliadora Cursino Ferrari manteve-se, depois de um curso técnico de dois anos, como a precursora, aluna, professora e coordenadora do Curso de Terapia Ocupacional criado pelo Instituto de Reabilitação do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da USP. "Marici" transformou esse curso em faculdade, abrindo espaço para o futuro curso de pós-graduação da Saúde Pública) (USP)= e para nossas carreiras universitárias. Esta apresentação é, antes de tudo, nossa homenagem à coragem e perseverança de "Marici". Ela, agora, sempre mesma, encabeça a linha de frente para a abertura do curso de pós-graduação em Terapia Ocupacional na USP. No final do século, ainda sem pós-graduação, estrito senso, terapeutas ocupacionais continuam sua formação em cursos correlatos. E continuam lutando para ampliar os espaços de aprendizado e atuação.

É preciso agradecer, também, aos coordenadores de áreas, aos professores, que como orientadores ou nas bancas examinadoras, têm nos dado espaço de formação e nascimento. Mas está na hora de avançar: temos que estudar especificamente a terapia ocupacional. O sentido que queremos dar a esta afirmativa está diretamente relacionado à gênese cultural da terapia ocupacional. É preciso investigar com profundidade nossas intervenções clínicas de tal forma a nos permitir estabelecer enunciados teóricos que desenhem e sustentem técnicas brasileiras.

A profissão Terapia Ocupacional deve, com tarefa mínima, fazer com que o indivíduo se desprenda de si mesmo e se volte para fora. Há nela, uma força irresistível em busca da saúde mental, de espaços virtuais de saúde que permitam a construção de um novo cotidiano, apesar dos defeitos, deficiências, doenças e descrença. Ao contrário do que alguns pensam, não é por condição moral que se ensina e se presta tratamento através do fazer, e sim pela unicidade de ética e de estética, que se estende à própria vida. Como nos ensinou Eda Tossari, as técnicas de terapia ocupacional devem ser inventadas a partir da idéia de uma engenharia ambiental, completando, de fora para dentro, a futura construção que deixará bem visível o produto final.

Trilha-se o de fora para dentro e vice-versa, numa relação dinâmica e triádica, composta por paciente-terapeuta-atividade. Nosso setting caracteriza-se por estar sempre de portas abertas para o social. Seus internos, portanto, devem estar prontos para aprender calcados no afeto, para que de fato possam aprender. As atividades, as mesmas que compõem o cotidiano de qualquer um passam a poder ser qualificadas de terapêuticas, desde que sejam o terceiro termo da nova relação estabelecida entre um terapeuta ocupacional e alguém que a demande.

A olho nu, podemos ver que a estrutura básica da terapia ocupacional é composta por uma série de procedimentos que buscam, e quase sempre alcançam, sucesso nos seus objetivos. Mas precisamos comprovar isso em laboratórios. O estabelecimento de teorias da técnica ou das técnicas nos aproximará, sem dúvida, da ciência. O olhar apurado da terapia ocupacional — esse mesmo olhar que transforma em comunicação —, a realização de atividades, o fazer, a construção, a produção, tudo isso deve se voltar também à invenção de um saber específico. Sei que, sem isso, a terapia ocupacional enfrentará dificuldades extraordinárias e provavelmente não poderá continuar existindo.

Ao chegar à Universidade de São Paulo, é com entusiasmo que me junto às colegas do curso de Terapia Ocupacional na expectativa de poder colaborar para ampliação de espaços de trabalho e de pressupostos teóricos. Para isso, nada como reforçar imediatamente a construção das Escolas de Pensamento da Terapia Ocupacional.

[Artigo publicado no Jornal da USP, seção Opinião, página 2, 7 a 13/4/1997]

Oração da Terapia Ocupacional

Assim seja!

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Produção de Vida


Há uma rosa caída
Morta
Há uma rosa caída
Bela
Há uma rosa caída
Rosa
... Uma rosa é sempre uma rosa
                         Maria Ângela Alvim 
Quando começa e termina a Vida? O que é aproveitar a Vida? Como seria uma Vida bem vivida?
Perguntas comuns já feitas por tantos, mas cada uma com inúmeras respostas e tão subjetivas quanto cada um que as fez e respondeu.
A escola me deu uma percepção de Vida, familiares e amigos me deram uma percepção de Vida, o Espiritismo me deu uma percepção de Vida, os livros me deram uma percepção de Vida, a televisão me mostra outra percepção de Vida, o dia a dia modifica essa percepção de Vida e por fim a Terapia Ocupacional vem contribuindo nessa minha percepção de Vida. É uma construção natural e que não está perto de ser concluída,até porque creio que isso acontecerá somente quando esta Vida se findar, no entanto acredito que a profissão que escolhi vai ser uma co-autora muito participativa nessa construção. A Terapia Ocupacional está me proporcionando vivências, pensamentos e sentimentos únicos.
Sigo em crescimento...
JanainaFerreira

sábado, 16 de maio de 2009

Para Reflexão


Do Mundo Virtual ao Espiritual

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei:  'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde '. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã... ' 'Que tanta coisa?', perguntei.  'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse 'tenho aula de meditação'!  Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso, as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a Inteligência Emocional . Não adianta ser um super-executivo se não consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação! 
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto'? 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite'!
Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa? Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega Aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra!  Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais.
A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil com raras e honrosas exceções , é um problema: a cada semana que passa temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede, desenvolve de tal maneira o desejo que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los aonde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque para fora ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas... Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald's.
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: 'Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz'.
Frei Betto - 06-Jun-2008
Estava procurando um texto que falasse exatamente sobre essa realidade para deixar aqui um questionamento: A sociedade está preparada para conviver com as diferenças, acolher quem é improdutivo e investir nos que possuem incapacidades? Ou simplesmente exclui quem não se enquadra no "normal" e continua com a concepção de que estamos aqui para sobreviver e não para VIVER e CONVIVER!?
 JanainaFerreira 

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Primeira Impressão


Enquanto aluna de Terapia Ocupacional tenho aprendido sobre patologias, contextos ocupacionais, recursos terapêuticos, intervensão, funcionalidade, praxia, subjetividade, enfim, sobre o homem, suas incapacidades e a atuação do Terapeuta Ocupacional.
Até então muito do que era visto se prendia à teoria, neste período tenho tido aulas práticas. Antes meu contato com pacientes era em ocasiões de visitas aos atendimentos de outros profissionais, agora chegou minha vez de atuar.
A cada contato me convenço que aprendo mais do que colaboro com o avanço dos pacientes. O que não é estranho, afinal são poucos encontros e ainda não tenho experiência prática.
A primeira impressão (momento da avaliação do paciente) é de que eu não serei capaz de preparar um plano eficiente de tratamento. Passada a avaliação é preciso planejar os atendimentos de acordo com a principal queixa do paciente.
•••Qual a atividade e recursos utilizados? Quais os objetivos? Qual a meta?•••
Crianças com Síndrome de West, com TDAH (hiperatividade), com Hidrocefalia ou com Surdocegueira ... não importa é criança, é um ser e está toda semana a minha espera para que eu contribua para sua qualidade de vida e não para sua "cura".
Responsabilidade e compromisso, sempre e mais.
O período já está na metade, rapidinho chega ao final e a primeira impressão ainda persiste. Entretanto tenho enfrentado a insegurança e entre acertos e erros vou me moldando e dando o possível de mim para de fato "fazer Terapia Ocupacional".
JanainaFerreira